27 dezembro 2005

Um dia de liberdade - ação de Dom Bosco


Um dia de liberdade

Em 1845, na estrada para Stupinigi, fora aberta uma nova prisão em Turim: a Generala. Era um reformatório de rapazes, com capacidade para trezentos. Dom Bosco freqüentava-a regularmente. Procurava fazer-se amigo daqueles pobres rapazes, condenado (quase sempre) por roubo ou vadiagem.

Dividiam-se em três categorias: “vigiados especiais” que, à noite, eram trancados em celas; “vigiados simples”, levados adiante apenas com os meios normais de uma prisão; “periclitantes”, que ali se achavam só porque alguém, já cansado deles, os confiara à polícia. Passavam o tempo em trabalhos agrícolas ou em oficinas internas.

Na Quaresma[i] de 1855, Dom Bosco deu a todos um caprichado curso de catecismo, seguido de três dias de Exercícios Espirituais (nada menos), concluídos com uma confissão deveras geral.

Dom Bosco ficou tão impressionado pela boa vontade geral que lhes prometeu “alguma coisa excepcional”. Foi ao diretor e propôs-lhe organizar para os rapazes (abatidos pela reclusão) um belo passeio a Stupinigi.

– Está mesmo falando sério, reverendo? – exclamo o homenzinho espantado.

– Com a maior seriedade do mundo.

– E não sabe que eu sou responsável por aqueles que fugirem?

– Ninguém fugirá. Dou-lhes a minha palavra.

– Ouça. Não vamos gastar saliva à-toa. Se quer essa licença, dirija-se ao Ministro.

Dom Bosco foi ter com Rattazzi e lhe expôs com tranqüilidade o seu projeto.

– Pois não – lhe disse o Ministro. – Um passeio fará muito bem a esses jovens detentos. Darei as ordens necessárias para que, ao longo do caminho, se distribuam guarda à paisana em número suficiente.

– Isso não – interveio decidido Dom Bosco. – É a única condição que eu ponho: que nenhum guarda nos “proteja”. E vossa Excelência deve dar-me sua palavra de honra. O risco é meu: se alguém fugir, por-me-á na cadeia a mim.

Ambos riram. Depois Rattazzi ficou sério:

– Dom Bosco, entenda. Sem guardas, não trará de volta ninguém.

– E eu, ao contrário, lhe garanto que vou trazer de vota todos. Vamos apostar?

Rattazzi pensou um pouco.

– Está bem. Aceito. Confio no senhor. Mas confio também nos guardas: em caso de fuga, não levarão muito tempo para recapturar esses frangotes.

Dom Bosco voltou à Generala e anunciou o passeio. Uma explosão de alegria. Numa brecha de silêncio, Dom Bosco continuou:

– Dei minha palavra: todos se comportarão bem, e nada de fugas. O Ministro também deu a sua: nada de guardas, nem fardados, nem à paisana. Agora chegou a vez da palavra de vocês: basta que um fuja e minha honra se vai. Não deixarão mais pôr os pés aqui dentro. Posso confiar?

Cochicharam lá algum tempo entre si. Depois os maiores disseram:

– Damos a nossa palavra! Voltaremos todos! Nos portaremos bem!

O dia seguinte foi dia de sol tépido, primaveril.

E lá se foram para Stupinigi, pelos caminhos dos campos. Pulavam, corriam, gritavam. Dom Bosco seguia em meio à pequena tropa, brincando e contando estórias. À frente de todos, o burro. Com as provisões.

Em Stupinigi, Dom Bosco celebrou a santa Missa. Depois, houve almoço ao ar livre, seguido de animadas partidas à margem do rio Sangone. Visitaram o parque e o castelo real. Houve merenda e, ao pôr-do-sol, o retorno. O burro estava livre e Dom Bosco cansado. Os rapazes fizeram-no montar e, puxando as rédeas e cantando, chegaram. O diretor apressou-se em contá-los. Estavam todos.

Houve um adeus triste no portão do cárcere: Dom Bosco se despediu de um por um e voltou para casa com um aperto no coração: só pudera libertá-los por um dia.

O Ministro, ao contrário, ao saber de tudo, ficou exultante como de um triunfo.

– Por que é que o senhor consegue fazer essas coisas e nós não? – perguntou a Dom Bosco um dia.

– Porque o Estado manda e castiga. E é só isso o que pode fazer. Eu, ao contrário, quero bem a esses rapazes. E como sacerdote tenho uma força moral que Vossa Excelência não pode entender.


BOSCO, Terésio. Dom Bosco: uma nova biografia.
São Paulo: Editora Salesiana. 6.ed. 2002. p319-321.
www.editorasalesiana.com.br



[i] Período de quarenta dias anteriores à Páscoa, recordando os quarenta dias que Jesus ficou no deserto, lutando contra as tentações (S. Mateus 4, 1 – 11 e paralelos). Tempo de penitência e convite à mudança de vida, em preparação à Páscoa (Ressurreição, Vida Nova) que se aproxima.